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Alterações convenientes

Durante o treinamento para a formação de orientador (ministro da seita) que fiz no Brasil e que foi complementado no Kunren-bu «Shinga-dai (centro de treinamento)» do Japão, era nos lembrado, todo o tempo, o absolutismo de Sukuinushi, como uma das formas de preservar a pureza do dogma, proveniente diretamente de Deus.

Por esta razão, o teor da transmissão dos seminários teria que ser fiel  ao modelo deixado por Kôtama(fundador da Sekai Mahikari Bunmei Kyôdan), mesmo que as citações e os exemplos japoneses não fossem entendidos pelos assistentes brasileiros, competindo ao kôshi (orientador que transmite o seminário, representando o Oshienushi) repetir o conteúdo como um papagaio.

Tal regra facilitava a tarefa do kôshi e do eventual intérprete, pois bastava ao primeiro sentar-se e proceder à leitura do modelo, sem ao menos levantar os olhos dele e ao segundo, ler a tradução do mesmo, mas também tornava a transmissão extremamente tediosa, induzindo os assistentes ao sono incontrolável.

Quando um kôshi mais criativo, o Kinno dôshi, resolveu incluir alguns exemplos locais, com o meu incentivo como intérprete, foi repreendido severamente pelo shidô-buchô (orientador superior)Shirasaki, deixando-o até constrangido, mas o episódio serviu para confirmar a obrigatoriedade da transmissão literal do ensinamento divino, sob o risco de advertência grave.

Contudo, como veremos abaixo, a Sukyô Mahikari andou alterando, sem nenhuma cerimônia, alguns conceitos pregados por Kôtama, como o relacionado à Arte Mahikari.

 

1. Kôtama afirmava que «as doenças são curadas» pela imposição de mão, como nestas passagens do Gotaidanshû (coletânea de entrevistas de Kôtama Okada editado em 1985) «.... quaisquer doenças são curadas. ...seja câncer, cegueira ou mesmo que esteja acamado com gôta, acontece a mesma coisa que Jesus fazia........os olhos voltam a enxergar, a pessoa acamada se levanta e o câncer é removido completamente»(pág. 174) ou «......se o médico impõe a mão em pacientes com doença renal ou diabetes, eles são curados facilmente.......viemos atuando em todo o país desde 10 anos atrás, mas a luz de Deus, a luz da verdade é capaz de curar quaisquer doenças e ferimentos......» (pág. 225).

 

Graças às tais propriedades, a luz divina deveria ser aplicada não apenas nos seres humanos, como também nos alimentos, água, animais, máquinas, etc.  produzindo efeitos como alteração de sabor, reanimação de animais em coma e reativação de máquinas e relógios parados, dispensando-se até o uso de medicamentos e da medicina dos homens, considerada terapia sintomática, por remover apenas os sintomas, sem tratar a causa da doença: impureza espiritual, materializada em forma de toxinas.

 

Se na versão original do ensinamento constam referências desfavoráveis aos medicamentos e à medicina moderna, a versão atual não apenas a reconhece como recomenda recorrer-se à ela, em caso de doença.

 

De acordo com a Medicina Espiritual (da cruz) ( versão revisada de janeiro de 1999) as doenças definidas pela lei  como contagiosas, como a tuberculose, AIDS, malária, lepra ou as doenças mentais devem ser diagnosticadas pelo médico, internando-se o doente no hospital, aplicando-se o okiyome somente sob pedido.

 

Em 1990 foi inaugurado, em Takayama, o Yôkô Shinryô-sho (Clínica Yôkô) e no final de 1993 o teor do Seminário Básico foi revisado, principalmente no capítulo da medicina, passando a enfatizar o «cruzamento com a medicina», como se a Sukyô Mahikari tivesse reconhecido a limitação da imposição de mão, apesar de ser o seu carro-chefe e reponsável pela sua expansão.

 

O que se observa é que, todas as vezes em que a orientação para não recorrer à medicina convencional ou não ingerir medicamentos causa algum problema para os kumitê, a entidade apressa-se em declarar que o objetivo da Arte Mahikari nunca foi a cura de doenças, não só alterando como negando o que Kôtama disse, mesmo que, na prática, os kumitê devotem-se na imposição da mão, certos de que as doenças, com exceção da cárie dentária, são curadas.

 

2. Há também um relato curioso de um kumitê japonês, que ouviu a seguinte experiência de um dôshi (orientador), que veio transferido para o seu Dôjô em 1992.

 

O dôshi em questão havia trabalhado na matriz da entidade antes de ser designado para aquele Dôjô e durante uma conversação informal após o término da reunião com os Mahikari-tai-in, contou um episódio que havia vivenciado quando servia no Departamento de Publicação da matriz, onde foi encarregado de revisar o texto do Kamimuki Sandji Kaisetsu (Kamimuki Sandji Explicado), que estava sendo editado.

 

O material que lhe foi entregue era um manuscrito de Sukuinushi-sama e quando ele pensou que deveria proceder à revisão gramatical, disseram-lhe para reescrever o texto.

 

Se somente o fato de tocar em um manuscrito de Sukuinushi-sama já lhe parecia temerário, mudar o que estava escrito alí lhe pareceu demais, mesmo sendo determinado pelo seu superior e o orientador ficou em dúvida, sentindo até medo. (continua....)

 

 

3. Um dos tópicos mais surpreendentes do seminário superior que eu assistí e que foi transmitido pelo kanbu superior Tomita foi sobre Jesus Cristo,que não teria sido crucificado, morrendo,em seu lugar, o irmão Iskiris. De acordo com a versão de Kôtama, que chegou a afirmar na revista Mahikari No. 185, de fevereiro de 1978: «Como vocês sabem muito bem, Jesus não morreu crucificado. Historicamente isto é uma mentira», no período posterior à execução do irmão, Jesus teria ido ao Japão, onde faleceu e foi enterrado.

Esta revelação sempre causou polêmica entre os kumitê, principalmente entre os católicos, mas a entidade manteve esta versão até os seminários superiores de 1990, onde ela foi totalmente removida, dando a impressão de seguir alguma ordem superior, como foi demonstrado pelo responsável da Mahikari na Austrália, Andris Tebécis, que chegou a afirmar no programa de TV australiana (The 7.30 Report, ABC TV, 1997.10.28) que ele não tinha certeza se Jesus fora enterrado no Japão.

Segundo alguns kumitê japoneses, que conviveram com Kôtama, o ensinamento sempre foi considerado «fabricação», desde a fundação da entidade SMBK.

4. Diz-se que uma revelação divina foi concedida a Kôtama em 1959, onde Deus SU teria dito «Denomina-te Kôtama, imponha a mão», mas a verdade é que muito antes dessa revelação, quando Kôtama era dirigente da Sekai Kyûsei Kyô (Messiânica), fazia os seguidores chamarem-no «Kôtama sensei(professor)» e com a medalha «ohikari» pendurado no pescoço, praticou o «tekazashi (johrei)» por 10 longos anos.

 

Fatos como estes mostram claramente a contradição existente entre a «revelação divina» e o «currículo» de Kôtama, suscitando dúvidas quanto à natureza dos ensinamentos, tornando a própria prática da imposição de mão destituída de sentido, devido à essa origem falsa.

 

5. Quando eu era funcionária do shidô-bu (sede de orientação da SM na América Latina) e sendo responsável pelo Departamento de Publicação, alguns kumitê interessados na expansão chegaram a trazer projetos ou idéias de divulgação através dos meios de comunicação, como jornais e revistas, porém sempre ouvíamos dos orientadores a explicação de que esse tipo de divulgação não era permitido, devendo a expansão ser feita somente através do Maboe (transmissão oral) e Makubari (distribuição de panfletos e revistas Mahikari).

 

Houve, entretanto, algumas exceções, como quando o então shidô-butyô (SBT) Kose resolveu dar uma espécie de entrevista coletiva, convidando os principais jornais e revistas de SP e também quando, como kumitê em Belém do Pará, fui entrevistada pelo programa Roda Viva da TV Educativa, sobre a Arte Mahikari.Lembro-me que na entrevista coletiva compareceu apenas um editor ou jornalista de uma revista da qual nem recordo o nome e o SBT Kose não escondeu a sua decepção, comentando que talvez Deus não tivesse gostado da idéia.

 

De qualquer modo, a postura oficial da seita sempre foi contrária à esse tipo de divulgação, de modo que fiquei surpresa ao encontrar, recentemente, o site oficial da SM na Internet, há algum tempo execrada pela seita como ferramenta do mal, com recomendação expressa para os kumitê não fazerem uso, muito menos postarem sobre a seita.

 

Fiquei mais surpresa ainda quando um kumitê me informou que até o seminário intermediário realizado para o Mahikari-tai no ano passado (2012), a determinação era que nada referente à Mahikari poderia ser publicada na internet, como vinha acontecendo, mas o Suzuki Totyô mudou essa orientação repentinamente, dizendo para que fossem criados blogs com depoimentos, existindo hoje um blog do Mahikari-tai de SP (http://mahikaritaisp.com.br/).

 

Verificando então o site oficial da SM (http://www.sukyomahikari.or.jp/index.html) , como era de se esperar, encontrei algumas contradições ou «alterações convenientes», sendo que em nenhuma categoria ou página existe alguma referência sobre o verdadeiro motivo de sucessivas revelações terem sido concedidas por Deus, o Supremo Criador, a Yoshikazu, que é o alerta sobre a vinda do Batismo de Fogo, ou seja, o apocalipse mahikariano.

 

O grande diferencial propalado pela seita, supostamente criada por Deus, que era a missão de conduzir a humanidade através do apocalipse, cuja proximidade fez com que o Supremo abrisse uma exceção, concedendo a todos os mortais a especial permissão de praticar uma «arte divina», outrora apenas «reservada aos enviados divinos», repentinamente foi suprimido do mapa, sendo substituído por uma mensagem água-com-açúcar, igual à de tantas outras religiões, que a seita sempre negou ser.

 

E como para confirmar o caos interno que a seita (continua....)

 

 

6. Outras contradições se seguem, como esta resposta à pergunta nº 7(da página Perguntas e Respostas do site oficial): A família e a casa não serão negligenciadas devido às atividades da entidade?

 

Resposta: As pessoas que estão negligenciando a família e a casa devido às atividades da entidade estão professando um kamimuki (crença) equivocado.

 

Na página «Seikatsu soku shinkô» (A crença vivida no cotidiano):«...não significa fazer um treinamento especial fora da vida cotidiana, mas sim uma forma de viver praticando o ensinamento através de atitudes, pensamentos e palavras, não sendo nada difícil. Esta é uma forma importante de viver para nós que objetivamos a divinização (formação do caráter)».

 

Ora, um dos maiores problemas que afligem os kumitê, principalmente as donas-de-casa e os jovens dentro da seita é a pressão psicológica que sofrem por se sentirem obrigados a participar não só das cerimônias mensais, como também de inúmeros eventos e atividades de servidão programados por ela, sob o risco de receberem não apenas as chamadas de atenção dos orientadores, como também a suposta advertência divina.

 

É certo que tudo dentro da seita é mascarado sob a capa de voluntariado, mas na prática mostra-se inviável, já que a própria existência e administração da organização dependem totalmente das contribuições em dinheiro e trabalho gratuito dos seus seguidores.

 

Sendo assim, as afirmações como essas que estão nas páginas do site, simplesmente não procedem bastando observar o cotidiano dos dojô.

 

Aliás, o ex-kumitê japonês, Ko Heibun faz uma observação oportuna no seu blog sobre esse tipo de contradição, que envolve a família:

 

«Na pág. 462 da revista japonesa Sunkyô existe uma passagem onde o fundador diz que «se a pessoa possui um sônen incapaz de encaminhar a própria família, mesmo que se devote no kamimuki (fé voltada a Deus) e argumente dando a impressão de saber tudo, será um espírito que somente poderá desempenhar um papel pequeno na execução da grande obra divina de [construção do paraíso terrestre, produzindo homens-sementes, como filho de Deus].

 

Deste modo, se tornará cada vez mais importante o kamimuki de toda a família».

 

Ora, nem o Oshienushi I, Kôtama, nem a Oshienushi II, Keishu, nunca puderam encaminhar os próprios familiares, com a exceção de uma filha do Kôtama.

 

Afirmar coisas como esta, com a maior cara de pau, significa que não tem a mínima consideração para com os seguidores, ou seja, a sua prioridade sempre foi o de juntar pessoas.

 

Por sinal que Kôtama deixou a mulher e as duas filhas para se juntar com Kôko Inoue (Seishu), quando ela estava com a idade entre 12 a 18 anos e ele, entre 40 a 46, dando até a impressão de ser um pedófilo»

 

7. Outra página contraditória é sobre a contribuição que a seita estaria dando à sociedade, não só construindo escola e participando em atividades de reflorestamento na África, como também enviando dinheiro para as vítimas de terremotos.

 

Acontece que na minha época de dedicação diuturna nos dôjo da seita, todas as sugestões e tentativas de ajuda às comunidades carentes, até mesmo de «purificação espiritual» nos presídios e hospitais, eram refutadas energicamente pelos dirigentes, cuja alegação máxima era de que o objetivo da imposição de mão e, por extensão, da entidade não era ajuda material ou alívio físico temporários.

 

Pelo que se vê hoje, provavelmente para não serem malvistos na sociedade, resolveram até mudar o «plano de Deus» original.

 

8. Na página sobre o fundador consta que a intenção dele «.......era ajudar as pessoas em todo o mundo a criar uma civilização mais pacífica e harmoniosa, com base no princípio de que"a origem do mundo é uma, a origem de todos os seres humanos é uma e a origem de todas as religiões é uma."  "E que "a Sukyo Mahikari não é o único caminho para Deus nem é a única maneira de chegar mais perto de Deus. É um dos muitos caminhos que conduzem à mesma verdade Universal".

 

Esta última parte não coincide com as declarações de Kôtama e o livro Goseigen, pois ele ensinava que todas as outras religiões são apenas parcialmente verdadeiras, devendo ficar distante delas e que os ensinamentos da Mahikari seriam os únicos verdadeiros.

 

9. Embora a seita tenha até negado oficialmente a ligação de Sukuinushi Kôtama Okada com a Messiânica, através de carta enviada à esposa de Garry Greenwood (à época kanbu da Austrália), segundo o site do ex-kumitê japonês Kô Heibun (http://uritakego.blog.fc2.com/), no livro comemorativo do cinquentenário da Sûkyô Mahikari (Sûkyô Mahikari Gojû Nen-shi), publicada em 2009, repentinamente mudou o discurso, afirmando na sua página 41, que «Yoshikazu Okada realizou uma profunda pesquisa das religiões como a Kurosumi-kyô, Tenri-kyô, Ômoto-kyô e Sekai Kyûsei-kyô (Messiânica), algumas vezes até se tornando membro delas».

 

Kô Heibun atribui essa mudanca de discurso à ampla disseminação da Internet, que possibilitou o compartilhamento de informação de todos os tipos, inviabilizando a «sustenção de mentiras», forçando a publicação de uma versão mais próxima da verdade.

 

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