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O que motiva o relacionamento entre o guru da seita e os seus seguidores

Mensagens conflitantes

 


Duplo Vínculo (double bind) é um conceito da psicologia, que se refere a relacionamentos contraditórios, que expressam comportamentos de afeto e agressão simultâneos, onde ambas as pessoas estão fortemente envolvidas emocionalmente e não conseguem se desvincular uma da outra. Foi cunhado por Gregory Bateson (antropólogo e psiquiatra americano) em 1956 (Fonte: Wikipédia).

 

É uma situação em que um indivíduo (emissor) envia duas mensagens conflitantes para outro (receptor), que é incapaz (ou não é permitido) de apontar ou refutar essa contradição, desestabilizando-se emocionalmente pela submissão constante a uma situação tensa e como resultado, o receptor vai sendo dominado cada vez mais pela vontade do emissor, oposta à vontade do receptor, que fica como que vinculado ao emissor.


A teoria do Duplo Vínculo, que provoca trauma psicológico, é composta de três etapas de ordem:

 

① Ordem restritiva primária (Ex: Faça assim ou poderá sofrer as consequências)

 

② Ordem restritiva secundária, que contradiz a Ordem restritiva primária(Ex: Você deve fazer isso espontaneamente (na Mahikari seria «com sentimento de makoto»)

 

③ Ordem restritiva terciária, que proíbe a fuga da situação (Ex: Eu lhe avisei sobre as consequências. Agora você terá de redimir o carma que acumulou).

 

Na raiz do Duplo Vínculo está oculto o desejo do dominador de controlar e envolver a vítima. Esta situação ocorre porque existe originalmente no dominador uma insegurança e carência amorosa, decorrente de uma relação passada problemática entre pais e filhos, em um ambiente fechado.

 


A lição do espelho*

 


É o caso do guru de uma seita, que é narcisista patológico em último grau, um típico «pervertido egocêntrico», sem nenhum conteúdo. O pervertido egocêntrico é um carente crônico, que só consegue preencher o vazio interior pela existência de terceiros, de modo que necessita manter um elo permanente com os outros, para poder sobreviver.

 

Este tipo de narcisista sem conteúdo só consegue ver a própria imagem, quando refletida no espelho, que é o outro. Como o outro é o espelho de si mesmo, precisa ser perfeito e essa necessidade gera o domínio.

 

No espelho, que é o outro, não pode ser refletido nenhum defeito do narcisista, que possa comprometer o narcisismo e assim, a fim de manter o relacionamento que satisfaça o reconhecimento do eu, procura afastar qualquer ameaça, fazendo com que o outro se integre ao narcisista, obedecendo somente a ele, o que significa destruir a identidade do outro, subordinando-o e tornando-o dependente.

 

Não admitir a opinião ou a intenção do outro, submetendo-o intelectual e mentalmente é uma forma de relação em que o dominador busca a auto-afirmação, através do dominado.

 

Para o público em geral, os seguidores de um guru da seita parecem possuir as mesmas características doentias que os fazem se identificar com o guru.

 

Diante de tantas seitas que proliferam no mundo, não é sem razão que o público pense assim e pode ser que alguns seguidores apresentem esse perfil, entretanto trata-se apenas de uma parcela, de modo que sem o entendimento profundo dessa estrutura de domínio e subordinação é impossível alcançar a compreensão essencial do problema das seitas.

 

Rotulá-los simplesmente de perturbados mentais não permitirá aos familiares e amigos dos seguidores entenderem a razão da deterioração ou mudança de personalidade dos mesmos, nem explicará a situação dos filhos dos seguidores da seita.

 

Embora a maioria dos indivíduos não venha a sofrer esse domínio, é  preciso entender que assim como os dominadores do Duplo Vínculo (os causadores do constrangimento moral) apresentam características comuns, as vítimas dos pervertidos egocêntricos também apresentam uma tendência em comum.

 

Assim, alguns dos indivíduos que se deixam envolver nos golpes aplicados por pervertidos egocêntricos podem se enquadrar no «tipo melancólico», classificado pelo psiquiatra alemão Tellenbach e que, por apresentarem uma tendência à depressão, são citados no campo da psicopatologia, mas não por possuirem natureza patológica especial.


*Segundo o dogma mahikariano, o espelho (em japonês Ka-ga-mi) teria um significado especial, onde o «ga» representa o ego, que deve ser anulado ou suprimido, para se tornar «ka-mi» (Deus). Trata-se de mais um plágio do ensinamento do shintoísmo clássico, porém como podemos ver, parece que o «tiro saiu pela culatra».

 

 

Os melancólicos

 


No contato clínico com uma centena de pacientes que apresentaram um ou vários acessos melancólicos, Tellenbach descreve um rígido apêgo à ordem o traço essencial do typus melancholicus.

 

A diligência, o escrúpulo excessivo, a forte consciência do dever, a sensibilidade à culpa, a meticulosidade e a formalidade marcam a vida profissional, as tarefas diárias, as relações interpessoais e a relação consigo mesmo do tipo melancólico.

 

A resposta deste indivíduo ao sentimento de culpa seria brutal e aterradora, visto que ele se esforça para agradar aos outros, cobrando muito de si, a fim de não sentir culpa, que vem como um forte pesar e sentimento de ruína.

 

A exigência do próprio rendimento é, sem exceção, muito viva. O trabalho é sempre uma ‘tarefa’ que deve ser cumprida. Tem uma predileção pelo planejado e repudia a improvisação. Realiza o planejado com a maior meticulosidade possível. As donas de casa esforçam-se pela limpeza mais escrupulosa; pode-se comer no chão. Toda atividade – importante ou insignificante – é executada com igual intensidade.

 

Sendo o relacionamento interpessoal desses individuos pautado pela «devoção ao próximo», não havendo maior satisfação do que ver os outros felizes, quando esta tendência se torna excessiva, acaba por se tornarem o alvo ideal do pervertido egocêntrico, cuja necessidade intrínseca é a busca de terceiros que lhe proporcionem a auto-afirmação, tornando-se um espelho de si mesmo.

 

Uma vez diante de individuos que lhe demonstram simpatia e solicitude, o pervertido egocêntrico procura conquistar-lhes a confiança, mesmo lançando mão de mentiras ou distorcendo a realidade.

 

De modo geral, apresenta-se de início com uma história infeliz, de sacrifícios e incompreensões no passado, não apenas para despertar simpatia, mas também como uma forma de auto-sugestão.

 

Exercendo o controle através de uma hábil manipulação psicológica, o pervertido egocêntrico gradativamente impõe a sua influência na vítima, que pelo fato de tê-lo aceito e se sentir no dever de corresponder-lhe, vai sendo envolvido e reprimido, até perder a liberdade de agir e pensar por si mesmo.

 

Sem se aperceber da manipulação psicológica, a vítima começa a autoconvencer-se de que mesmo os pensamentos e ações que contrariam a sua vontade foram gerados por ela mesma e à medida que a restrição psicológica avança, nem consegue mais pensar sobre o processo que o conduziu àquele estado, perdendo toda a capacidade de auto-crítica ou rejeição, enfraquecendo-se moralmente.

 


Reações de defesa

 


Na vítima que sofre tal grau de controle, acontece internamente um violento processo de coping, ou enfrentamento do stress, que são esforços cognitivos e comportamentais para lidar com situações de dano, de ameaça ou de desafio.

 

Existem três tipos de coping ou enfrentamento do stress: focalizado na emoção, focalizado no problema e evitar o problema.

 

Focalizado na emoção é um estilo de enfrentamento em que o indivíduo tenta reduzir as suas emoções negativas resultantes do stress.

 

Focalizado no problema é um estilo de enfrentamento em que o indivíduo enfrenta o problema de frente, ou seja, o indivíduo participa ativamente para corrigir ou resolver o problema.

 

Evitar o problema é quando o indivíduo evita as emoções e soluções para os problemas, na esperança de que ambos irão desaparecer por si.

 

Se o estressor (causa do stress) é o guru da seita, não resta alternativa à vítima senão tentar reduzir as emoções negativas, pensando todo o tempo em como fazer isso. Por outro lado, além do enfrentamento, o mecanismo de defesa também é ativado, de forma inconsciente.

 

Mecanismo de defesa são ações psicológicas que têm por finalidade reduzir qualquer manifestação que pode colocar em perigo a integridade do ego, onde o indivíduo não consiga lidar com situações, que por algum motivo considere ameaçadoras. São processos subconscientes ou mesmo inconscientes que permitem à mente encontrar uma solução para conflitos não resolvidos no nível da consciência.

 

Entre os mecanismos mais comuns existem a repressão, que é a omissão forçada e deliberada de recordações ou sentimentos (Ex: É melhor não pensar nisso e me dedicar mais) e a racionalização, em que buscamos “boas razões”, ainda que falsas, para nossas atitudes (Ex: Pelo menos as pessoas se sentem bem recebendo o okiyome).

 

Embora os mecanismos de defesa possam ser um efeito psicológico normal, se ocorrem  habitualmente, pode resultar em sintomas patológicos inadequados.

 

Na maioria dos casos, o stress é uma experiência rápida, porém pode persistir por um longo período de tempo, havendo 4 fases:


Na primeira fase, a do Alerta, diante de um desafio ou ameaça percebida, o indivíduo necessita produzir mais força e energia a fim de enfrentar a situação desafiadora, havendo uma mobilização de recursos de enfrentamento.


Na segunda fase, da Resistência, a situação estressante persiste, havendo uma grande utilização de energia na busca pelo reequilíbrio do organismo, causando a sensação de desgaste generalizado sem causa aparente e dificuldades de memória, dentre outras consequências.


Na terceira fase, de Quase Exaustão, as defesas do organismo começam a ceder e ele já não consegue resistir às tensões e restabelecer o equilíbrio interior. É comum nesta fase o indivíduo sentir que oscila entre momentos de bem-estar e tranquilidade e momentos de desconforto, cansaço e ansiedade.


Na quarta e última fase, de Exaustão, com os recursos esgotados, há uma quebra total da resistência e alguns sintomas que aparecem são semelhantes aos da fase de alarme, embora em maior magnitude. Podem ocorrer exaustão psicológica em forma de depressão e exaustão física na forma de doenças que começam a aparecer.


O indivíduo começa a manifestar sintomas de choque, estremecendo ao simples toque do telefone, sentindo falta de ar quando se aproxima do edifício da seita ou chorando sem razão aparente.


Se o seguidor da seita pudesse deixá-la neste momento, não haveria problema, porém o do tipo melancólico, com tendência a se sacrificar pelos outros, sente-se culpado diante do pervertido egocêntrico, que declara ser «100% correto» e chega ao ponto de se sentir «incapaz» e «sem valor».

 

O exacerbado sentimento de culpa baixa a auto-estima, aumentando o stress, porém o auto-rotulamento de «sem valor» limita-lhe a visão e a percepção, fazendo com que se estabeleça um círculo vicioso em que, haja o que houver, sempre se sentirá culpado.


「Não devo generalizar」
「É que me falta fé」
「Pode ser que o mestre não tenha agido com má-fé」

 

Esses tipos de pensamento ocorrem em quase todos os seguidores diante de situações estressantes, porém fazer com que os fiéis cheguem a esse estado de insegurança é uma manipulação psicológica essencial ao guru e às seitas, a fim de intensificar o grau de dependência a eles.

 


Robotização

 


Como vimos, os movimentos sectários são organizações voltadas à produção em massa de cópias malfeitas do guru, através da idiotização do seguidor, a fim de usá-lo como ferramenta de sua auto-afirmação.

 

Esse tipo de crença caracteriza-se por apresentar alterações constantes e convenientes, já que se baseia em idolatria.

 

Além disso, quanto mais o seguidor aprofunda a sua subordinação ao guru, começa a julgar que quaisquer críticas ao guru e à seita são pecados incondicionais, porém quaisquer outros tabus, podem ser violados, conforme a situação (Ex: abuso de autoridade, constrangimento moral, assédio sexual).

 

Quando o indivíduo vive em um ambiente normal, dificilmente erra na priorização de tabus, porém dentro de uma entidade religiosa, onde os valores distorcidos são enfatizados, o declínio moral dos seus seguidores é uma consequência lógica.
 
Os fiéis da seita Aum Shinri-kyô, que cometeram assassinato em massa ou os kumitê e dirigentes da SM eram indivíduos normais, que através de um hábil controle mental e pressão interna foram perdendo o bom senso, tornando-se muitas vezes agressivos e transformando-se eles mesmos em dominadores, configurando assim, um quadro de verdadeira «violação de direitos humanos».

 

Por outro lado, ao enfrentar os problemas relacionados às seitas, é necessário aprofundar o conhecimento sobre as doenças mentais e transtornos de personalidade, por se constituir uma pista importante para entender os dominadores e as vítimas.

 

A teoria do Duplo Vínculo não explica todos os casos de esquizofrenia, porém devido à existência de uma situação em comum no ambiente familiar de pacientes com esquizofrenia, pode-se dizer que o fator ambiental é importante. Isto significa que se o indivíduo é submetido constantemente a um ambiente controlado, tal como na SM, é possível desenvolver esquizofrenia.

 

Como a vítima do Duplo Vínculo é confinado em um cenário em que é forçado a aceitar a vontade e as palavras do dominador, precisa reprimir o próprio sentimento, não podendo agir como deseja e como está sempre sujeito à influência do dominador, o seu pensamento e a ação começam gradualmente a divergir, provocando-lhe uma sensação de estranheza e desconforto.

 

Assim, aqueles que se afastam da seita provavelmente continuarão a sofrer uma penosa sequela emocional, porém são individuos que conseguiram, em última instância, proteger a si mesmos da robotização, pois os que se renderam são incapazes de sentir qualquer sofrimento ou conflito.

 

A fim de manter o controle mental dos fiéis, a seita procura educá-los de tal forma a não contestar ou duvidar, em nenhum momento, das palavras do guru ou dos princípios da seita. Sendo-lhes incutida a idéia de que as dúvidas provém da perturbação espiritual, os seguidores começam a temer até o próprio pensamento e recitando repetidamente os mantras ditos sagrados, procuram não pensar.

 

Este tipo de atitude, quando se torna hábito, atua como uma espécie de auto-amaldiçoamento e ao ouvir alguma crítica, mesmo lógica, em relação ao guru, reage raivosa e violentamente ou se cala, com a feição enrijecida, impossibilitando qualquer comunicação.

 

Em uma situação em que a mente do seguidor está fortemente condicionada a julgar os críticos como perturbados espiritualmente, a própria tentativa de esclarecimento pode agravar o estado do controle mental e intensificar a subordinação à seita.


Veja na outra página, as técnicas que podem ser adotadas para lidar e neutralizar os efeitos do Duplo Vínculo.

 

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