

Aprendendo com a Sukyo Mahikari (SM)
Um artigo sobre fanatismo
De Jean Lauand
Prof. Titular FEUSP IJI – Univ. do Porto
http://www.hottopos.com/mirand14/jean.htm
O fanatismo não surge do nada. O perigo do fanatismo são as bases reais que o possibilitam e a sutil extrapolação da verdade por uma hábil e calculada retórica que descamba para o exagero e para o erro. Naturalmente, isto só pode ser feito fora do âmbito estritamente racional e lógico... de preferência em ambientes de massa, altamente emotivos.
O fanatismo floresce sobretudo no âmbito do ressentimento.
Quanto mais “indevida” for a situação de miséria atual, tanto mais êxito fácil alcançará o líder que souber canalizar os ressentimentos da massa que, guiada pela retórica e pelos resultados espetaculares da seita ou do movimento, não se importará muito com a supressão da liberdade e a falta de ética dos métodos utilizados.
Há alguns ingredientes que podem catalisar essa consciência de revanche de Deus por parte de instituições radicais: o anúncio, mais ou menos velado, da proximidade do fim do mundo ,embora o próprio Jesus Cristo, quando perguntado, alegou não saber quando ocorreria (Mt 24, 36) -, a propensão a difundir disparatadas “profecias” e “aparições” que “confirmem” os “sinais” de que o fim dos tempos está muito próximo e o “Anticristo” já está circulando por aí... sinais que, como era de esperar, incluem a “imoralidade nunca vista” dos nossos tempos.
Junte-se a isto uma total ausência dos padrões mais elementares do rigor intelectual e a vontade dos seguidores de aceitar qualquer bobagem apocalíptica e terems o quadro completo.
Um dos aspectos mais assustadores no fanatismo religioso é o fato de que os iluminados, precisamente porque se assenhorearam da verdade absoluta e são os procuradores de Deus para todas as questões humanas, nunca reconhecem um erro e não hesitam em valer-se da mentira para caluniar aqueles que eles julgam inimigos da causa.
(Obs: No caso da Mahikari, há ainda o ressentimento contra a mídia e o mundo, que erradicaram o sagrado e o hostilizam)
A arte de decidir bem, reta e adequadamente, era denominada pelos antigos Prudentia.
De Prudentia de Tomás de Aquino, encontramos, por exemplo, que a Prudentia é uma virtude intelectual; seu princípio é a inteligência reta, o olhar límpido capaz de ver a realidade e, com base na realidade vista, tomar a decisão boa, para “fazer a coisa certa”.
A inteligência da Prudentia é uma virtude e não se confunde com dotes de inteligência, digamos, de Q.I., porque só o homem bom consegue ter a inteligência que não distorce o real (pense-se, por exemplo, na dificuldade de ver a realidade por conta do medo).
Entre muitos outros pontos geniais da doutrina clássica, destacaria aqui seu critério para saber o que é bom: a realidade! Saber discernir, no emaranhado de mil possibilidades que esta situação me apresenta (que devo dizer a este aluno?, compro ou não compro?, devo responder a este mail? etc.), os bons meios concretos que me podem levar a um bom resultado e, para isto, é necessário um único requisito: ver a realidade.
Mas este ver a realidade é só uma parte da Prudentia; a outra parte, ainda mais decisiva (literalmente), é transformar a realidade vista em decisão de ação: de nada adianta saber o que é bom, se não há a decisão de realizar este bem...
A prudentia é assim a arte de exercer bem a liberdade.
Uma das mais perigosas formas de refutar a realidade é trocar essa fina arte de discernir o que a realidade exige, naquela situação concreta, por critérios operacionais rígidos, como os princípios religiosos. Em vez de se dar ao trabalho de discernir os casos, simplifica-se grosseiramente tudo em pecado.
No afã de libertar-se do peso da responsabilidade de decidir, o crente transfere o “abacaxi” para Deus (ou para o iluminado ministro de Deus). Certamente, Deus pode inspirar-nos em nossas dificuldades de decisão e a Ele devemos humildemente recorrer para pedir luzes e discernimento. O problema nisso, como em tudo, são os abusos.
Todo aquele que crê, está legitimado em pedir luzes a Deus para suas decisões ;o que não se pode é avalizar com a autoridade divina posições meramente temporais. A iluminação sobrenatural deve ser, caso queiramos fazer uso público dela, de tal ordem que torne visível para qualquer um a realidade de que se trata.
Outra atitude degeneraria em tirania, em teocracia.
Um exemplo nos ajudará a entender. O exemplo nos vem da própria Bíblia, do capítulo 13 do profeta Daniel. Dois anciãos, juízes (iníquos) de Israel, repelidos pela bela Susana em seus desejos adúlteros, vingam-se levantando contra ela o falso testemunho de adultério: “Vimos um jovem assim, assim, adulterando com ela no jardim etc.”. Quando a multidão já está preparada para aplicar à casta Susana a pena de morte por apedrejamento, Deus inspira ao jovem Daniel (cujo nome, aliás, significa, juiz de Deus) a defesa da inocente.
Mas Daniel não afirma em nenhum momento sua iluminação sobrenatural. Apresenta argumentos humanos, que todos podem comprovar e evidenciam a injustiça daquele processo: interroga em separado, diante do povo, os juízes iníquos: “Debaixo de que árvore ela estava adulterando?” e ante a disparidade de respostas, torna-se evidente que estavam mentindo.
A base dos fanatismos, nunca é demais insistir, é o medo, sobretudo o medo à liberdade. Daí sua pretensão de erradicar a prudentia e, portanto, o risco da liberdade pessoal.
A prudentia nos faz ver quem somos realmente, quem realmente é o ser humano em sua vocação e circunstância, visão que possibilita, por sua vez, a compreensão e a vivência de uma antropologia correta, a partir da qual podemos julgar com retidão se determinadas atitudes e idéias propostas por grupos religiosos correspondem àquilo que o próprio Criador espera de nós.
Certamente, Deus espera de nós um comportamento saudável, sem acanhamentos, sem o cultivo doentio de regras (e regrinhas) infindáveis que, como uma cerca de arame farpado, seria a proteção para criaturas incapazes de exercitarem ao máximo tudo aquilo que faz de nós seres incomparáveis dentro da Criação: a inteligência, a liberdade, a capacidade de amar, de criar, de brincar, de falar etc.
Deus nos quer abertos para a realidade, para a beleza das coisas criadas, para a aventura divina da liberdade humana, e não acabrunhados pelo medo e, em última análise, cegos. Talvez com aquela cegueira suprema, denunciada por Jesus Cristo: “Se fôsseis cegos não teríeis pecado; mas vós mesmos dizeis ‘Nós vemos!’ e por isso vosso pecado permanece” (Jo 9, 41).